Por Lilian Braz
Era uma segunda feira, aula de literatura portuguesa. A aula até estava interessante, mas, você sabe, não dá pra ignorar o alerta de notificação do Facebook, WhatsApp e Instagram. Então, lá estava eu verificando a minha outra vida, a virtual, quando de repente aconteceu um desastre! Meu celular novinho, com apenas duas semanas de vida, caiu no chão sem cerimônia. Na hora que vi a tela rachada, doeu no coração, mas pensei "dá pra sobreviver com isso". O pior foi quando tentei ligá-lo. O display também foi pro espaço e aí o sangue desapareceu de vez do meu corpo. Não conseguia mais pensar em nada a não ser no fato de que estava desconectada do mundo. Já sabia que demoraria um tempo para consertá-lo então o pânico só aumentava.
Como vou encontrar minha carona no final da aula? Não tenho nenhum número decorado na cabeça. E no trabalho, como me comunicar com outros setores? Pior, como acordar sem o despertador do celular?! Um sentimento de nudez total me dominava. A professora a minha frente a essa hora falava grego. Nem me pergunte sobre o que foi a aula daquela segunda-feira.
Dali pra semana seguinte, não teve jeito, tive que voltar aos anos 90 e me adaptar a viver sem um telefone móvel. As experiências englobam uma série de sentimentos e aprendizados. A primeira foi a de conseguir dormir mais cedo. Normalmente, eu me deitaria na cama e ficaria uma hora tentando me despedir das pessoas pelo WhatsApp, ficaria fuçando a vida alheia no facebook ou tentaria achar alguma coisa de interessante na internet que prendesse minha atenção até que o sono chegasse. Como não tinha essa opção, apenas fechei os olhos e, antes que eu pudesse notar, já estava totalmente apagada.
Pela manhã, eu tinha unha marcada para fazer às 9h. Acordei às 7h20 e julguei ser cedo demais e que teria mais uma hora antes de me arrumar. Acreditei que meu botão "soneca" interno funcionaria e então dormi, dormi mesmo! Perdi a hora e, consequentemente, o tempo da minha manicure. E não pude nem ligar para pedir desculpas pela minha ausência.
Marcar encontros também ficou complicado. Uma amiga me chamou para almoçar em sua nova casa. Eu não sabia onde era. Seria fácil colocar o endereço no GPS do meu celular, porém, eu não dispunha da ferramenta, então combinamos de nos encontrarmos na ilha 03 da praia. Eu cheguei atrasada e ela ainda não tinha chegado. Esperei mais meia hora até que ela apareceu. Se ela tivesse demorado mais 10 minutos talvez não me encontrasse mais lá, eu teria achado que ela não iria, ou que foi e não me achou, e assim, nosso encontro se transformaria em um desencontro. Você fica inseguro na rua.
Mas, se ficar sem celular, tem seus pontos negativos, também tem o lado positivo: terminei de ler um livro que há meses carrego na bolsa para ler em momentos ociosos, como no trânsito ou numa fila, mas nunca conseguia porque estava sempre conferindo minhas redes sociais ao invés de adquirir cultura; não recebo ligações chatas do trabalho; ninguém fica buzinando incessantemente atrás de mim no trânsito quando o sinal abre, porque agora não tenho essa distração; meu pescoço não dói tanto por olhar pra baixo o tempo todo; passei a prestar mais atenção nas aulas, agora sei que a professora está falando sobre Camões.
Eu me pergunto quando foi que o mundo tornou-se tão dependente dessa pecinha pequena chamada celular. Estamos tão viciados que olhar o aparelho se tornou a primeira e a última ação do dia. Eu nem lembro mais como era a vida sem ele. De fato ele nos dá muita praticidade e mobilidade, mas nada em excesso é bom. Ao comprar devia vir com uma notificação de advertência tal como nas garrafas de bebidas alcoólicas: Aprecie com moderação.